Lembro de quando tinha uns 9 ou 10 anos e minha mãe colocou
um computador enorme num quartinho excluído da casa. Meu irmão e eu nem
sabíamos o que fazer. Só podia usar depois da meia-noite, já que a internet era
discada e custava caro. Entramos num bate-papo da Uol, no qual existiam salas
específicas pra todos os tipos de gente : pra criança, pra adulto, pra gays,
pra torcidas organizadas, pra religiosos...
Quando cliquei para
entrar na sala Para Crianças de Até 10 Anos, o site me perguntou meu apelido.
Sem pensar, digitei Anna e entrei. Ao ver os apelidos usados dentro da sala (Gatinho Sarado, M!L@ 0lh0s v3rd3s, Moreninha
de São Gonçalo) rapidamente retornei à página e troquei meu apelido por
G@tinha – o arroba era sempre no primeiro A).
Devidamente apresentada ao bate-papo, descobri seus macetes
para engatar uma conversa: sempre perguntar para a sala toda “ALGUÉM QUER TC??” e então aguardar uma
ou mais respostas. Depois, era só perguntar sobre a pessoa – e se falasse que
tinha 15 anos ou mais era logo descartado por medidas de segurança. Todos
respondiam minhas perguntas com respostas belíssimas que me faziam imaginar o
quão era energizante ter todos aqueles “amigos virtuais”.
Minha mãe resolveu dar uma olhada em como estávamos nos
desenvolvendo com toda aquela tecnologia e viu meus amiguinhos perguntando
minha idade, minha aparência, meus hobbys e eu, respondendo tudo direitinho,
com um certo receio para não dar informações demais. Ela pegou o teclado e
respondeu à tudo com mentiras. Aquilo me deixou irritada! Porque você tá
mentindo pra eles? Eles são meus amigos! Sai daqui, você não sabe usar a
internet! Minha mãe riu e disse que eu que não sabia mexer naquilo ainda, que
todos na internet mentem.
E aí o mundo se abriu pra mim: todos eram loiros de olhos
azuis, todos eram altos e sarados, todos os rapazes sempre tinham 2 anos a mais
que eu. Começou a diversão. Percebi que estava lá só pra viver uma vida fake,
mesmo. Não importava se eu dissesse que era loira, já que ninguém nunca iria
descobrir. Eu poderia ser o que quisesse.
Analisando pelos dias de hoje, o conceito da internet não
mudou muito. O que mudaram foram os meios. Hoje em dia, no facebook, as pessoas
fingem ter uma vida perfeita, postando fotos de viagens, de festas, de
namorado, de academia. Postam frases de efeito, com autorias contestáveis.
Postam frases engraçadinhas, pra mostrar senso de humor. Até fotos de comida
são postadas, pra mostrar... pra mostrar o quê, mesmo?
Enfim, o bate-papo da Uol perdeu sua popularidade, mas ainda
existe. E suas intenções de uma vida fantasiosa e maravilhosa ainda existem
dentro de todos os usuários da rede.